sexta-feira, 27 de abril de 2018

1968 - Pixinguinha, Clementina de Jesus, João da Baiana - Gente Da Antiga



Texto da contracapa do álbum, conforme transcrição postada no blog Samba de Raiz:

"Não se pretende aqui fazer a apresentação biográfica de Pixinguinha (23-abril-1898), de Clementina de Jesus (7-fevereiro-1902) e de João da Bahiana (17-maio-1887). Não seria numa contracapa que essa tarefa poderia ser resolvida, mesmo porque suas vidas cobrem um período bastante longo de nossa história musical e essa abordagem acabaria resultando num verdadeiro tratado. Para alguns puristas e pretensos donos da verdade, parecerá imprudente revelar ao público a imagem envelhecida de três artistas tão relevantes. Eu tenho especial amor e respeito por essa arte assim pensada, que o tempo tratou de cristalizar. Acho que a velhice não apaga o essencial e, pelo contrário, dá a coloratura exata e até dimensiona o verdadeiro artista. Mas o que esse disco aborda é por si tão eloqüente que nem vemos necessidade de nos alongarmos em considerações supérfulas. Ele sensibilizará os verdadeiros sensíveis, eis tudo. Em 10, 11 e 17 de janeiro de 1968 foram gravadas as dezesseis faixas que possibilitaram a seleção das doze aqui apresentadas. Não se projetou nenhum arranjo, mesmo porque se quis preservar um caráter de absoluta espontaneidade de cada um – quase a revivência do clima das antigas festas da Penha, em que se fazia música por absoluto amor. A presença de Pixinguinha, todos sabem, enternece pela sua lindeza. Seus quase setenta anos não alteraram a sua inventiva. Com seus setenta e cinco anos, mãe Clementina deixava transparecer a emoção de se ver em tão ilustre companhia. João da Bahiana? Quem já não o viu passar, com seu terno branco, sua imensa gravata de “pois”, seu cravo na lapela? Seu único problema, e que o afligia terrivelmente, é se deveria ou não cantar com a dentadura – pois não queria ver prejudicada sua articulação. É necessário que se faça especial destaque ao flautista Manoelzinho, que vim conhecer naquelas inesquecíveis noitadas do Zicartola, e que logramos “caçar” (a história seria grande) para esta gravação. Aliás, diga-se que foi um custo ajeitar Pixinga no microfone, tal a sua preocupação em não “cobrir” com seu potente saxofone os solos que destinou ao flautista. O mestre ficava de lado, aquele jeito de santo, no seu nunca por demais louvado contraponto, sublinhando com sorrisos e gestos cada passagem bonita que se obtinha aqui e ali. Ao historiar cada faixa deste álbum, quero dizer da tremenda força que deu a este LP o trio Canhoto-Dino-Meira, músicos excelentes, privilegiados, únidos do gênero. Na “cozinha”, atuaram com uma prodigalidade enorme de talento, os ritmistas Marçal, Gilberto, Luna e, em seus solenes atabaques, o grande Jorge Arena. O coro foi constituido por Zezinho, Nelson Sargento, Anescar, Pedrinho Rodrigues, Jairzinho da Portela, Jair Avellar e Copacabana. O maestro Nelsinho, que foi o braço direito de Pixinga nesta gravação, atuou na “briga” com seu trombone de gafieira. O LP está assim distribuído:

OS OITO BATUTAS — O diálogo de flauta e saxofone sobre a leve intervenção do trombone de Nelsinho. O choro foi composto por volta, de 1921 quando Pixinga foi incumbido de organizar o depois celebre conjunto *Os 8 batutas”.

YAÔ — Segundo Pixinguinha, Gastão Vianna gostava de fazer sambinhas afro-brasileiros com palavras africanas. João da Bahiana, que sola o número explica: “Yaô são as filhas de santo do terreiro. Aquicó é o galo, peru adié a galinha. Isso que dizer: o galo com as galinhas no terreiro fazem inveja pros rapazes solteiros. Jacutá de preto velho: casa de babalaô. Oxóssi é São Sebastião. Vamos saravá Xangó: vamos saudar São Jerônimo.

ROXÁ é roxa, ou seja, mulher negra. Essa batucada, Clementina escutou-a primeiramente na casa de Maria de Nenén, durante os pagodes de São Jorge, lá em Oswaldo Cruz. Então se organizava a roda de samba e Quelé (Clementina) alternava seus “improvisos” com Bernardo Mãozinha, Aurélio ou qualquer outro “bamba” presente. A introdução de Nelsinho segue-se uma quentissima batucada, onde responte a cuíca solene de Marçal e as palmas puxadas por Zezinho, Pé Grande (marido da partideira) e até pelo que subscreve estas notas.

A TUA SINA — Este samba, pelo seu estilo, poderia ser atribuído a Bernardo Mãozinha do Estácio. Aliás, Pixingulnha conheceu bastante aquele famoso sambista, cuja obra anda merecendo um levantamento. Aqui está, segundo Clementina, o autêntico espirito dos sambas das festas de Penha. Nelsinho e Manoelzinho secundam Pixinga no acompanhamento, bem á antiga.

ELIZETE NO CHORINHO — Composto há poucos dias, é a homenagem do mestre à sua cantora preferida. Pixinga se afastou do microfone para não interferir no solo que destinou a Manoelzinho. Nelsinho está também na gravação. Chorinho carioca, no melhor estilo. QUÊ QUÊ RÊ QUÊ QUÊ — Essa corima, solada por João (oitenta e um anos de idade!), é uma saudação de Oxalá. Clementina está no coro. Na tradução literal, o verso diz: “Queira ou não queira, vamos brincar”. O canto se inicia com uma saudação de João.

MIRONGA DE MÔÇA BRANCA – “Agô kelofé”, reza João. Essa corima esconde um conflito de amor. Mironga quer dizer segredo. O homem, dentro da ritualística de Umbanda, é o cavalo de Orixá, e a alusão ao “cavalo de seu pai” (no feminino, por uma deformação do linguajar jejê), traz em seu bojo uma tentativa de aproximação sexual, segundo João. Os atabaques de Jorge Arena tem especial destaque nesta corima.

CABIDE DE MOLAMBO — Neste “samba corrido” (catalogação de João), seu autor evoca a figura do malandro “Cabide de molambo”, que conheceu em priscas eras na tendinha no Tinoco, lá na Gamboa. “Ele era aletrado, um quase poeta e que compreendia o português: era mendigo, mas servia
seus amigos” — declara João. “É um samba natural’ (?), completa João, ao informar que o escreveu por volta de 1917.

BATUOUE NA COZINHA — A introdução bastante convencional é pra caracterizar a singeleza do samba. João freqüentava uma habitação coletiva, cuja encarregado era um mulata de nome Ignez. Foi lá que João encontrou “um branco metido a mais malandro que todo mundo, um rei sultão, que me rendeu ciúme”. Diz que escreveu este samba bahiano há mais de sessenta anos. Foi desenvolvido sobre o tema folclórico. AI SEU PINGUÇA — Seu Pinguça era um festeiro. “Arranhava um violino, era vaidoso, igual ao João, usava uma rosinha no peito. Quando se tocava um choro, era o primeiro a tirar uma dona. Então, quando havia uma paradinha na música, ele dava uma quebrada de corpo e a turma gritava: “Ai seu pinguça”. Tal como faz o choro nesta gravação. A composição é recente.

FALA BAIXINHO — Chamava-se “Mascote” e foi dedicada a enfermeira que o assistiu durante o enfarte que o aconteceu em 1965. Depois coloquei letra, dai sua denominação atual. O solo da segunda é de Nelsinho. Ao fundo, mestre Canhoto dá um solene recado em seu cavaco.

ESTÁCIO, MANGUEIRA — Poderia ser também de Bernardo Mãozinha, pelo seu estilo. Dona Clara era uma estação depois de Cascadura. O Heitor do que falam no samba é o dos Prazeres. A segunda é improvisada pela partideira. Outro samba puramente carioca.


Pedrinho de Moraes permaneceu uma tarde inteira fotografando, e Glauco Rodrigues acrescentou seu talento no lay-out que completou o lindo trabalho da capa.

Variamos bastante de uisque no decorrer das gravações, dai não ser justo destacarmos esta ou aquela marca. Gravou-se este documento como se estivessemos todos num pagode da Penha, e sabemos que esta gravação sensibilizará aqueles que, com amor e respeito, acompanham a nossa história musical"


01 - Os Oito Batutas (Pixinguinha e Benedito Lacerda)
02 - Yaô (Pixinguinha/Gastão Viana)
03 - Roxá (Foclore)
04 - A Tua Sina (Foclore)
05 - Elizete No Chorinho (Pixinguinha)
06 - Quê, Quê, Rê, Quê, Quê (João da Baiana)
07 - Mironga De Moça Branca (Folclore)
08 - Cabide De Molambo (João da Baiana)
09 - Batuque Na Cozinha (João da Baiana)
10 - Ai, Seu Pinguça (Pixinguinha)
11 - Fala Baixinho (Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho)
12 - Estacio, Mangueira (Folclore)

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